RAPHAEL LIMA | PSICOLOGIA

O medo de ficar sozinho
Entenda como o medo de ficar sozinho pode nos custar caro.

Não é difícil entender o medo de ficar sozinho: o apartamento vazio depois do trabalho, a estranheza das tardes de domingo, a sensação de exclusão durante as férias... Conhecemos muito bem as agonias de estar sozinhos.
O que é muito menos compreendido, e menos eloquente ou frequentemente descrito, é o preço extremamente alto cobrado do outro lado da equação. O medo, ou mais frequentemente simplesmente a fobia, de estar sozinho talvez seja responsável por relacionamentos mais infelizes, mais estrangulamento do desenvolvimento psicológico, mais claustrofobia e mais miséria reprimida do que quase qualquer outro: é – por qualquer avaliação – um dos únicos maiores contribuintes para a miséria humana e o condutor de algumas de nossas decisões mais pesadas e infelizes. Se ao menos pudéssemos obter os custos do que é na maior parte um simples equívoco claro em nossas mentes, poderíamos nos salvar uma parte substancial de nossas vidas.
Podemos escolher pelo menos sete penalidades desnecessárias:
– Para começar, e mais obviamente, as pessoas que têm medo de ficar sozinhas fazem algumas escolhas muito erradas em relação à empresa que mantêm. Eles não têm outra opção a não ser privilegiar qualquer um sobre o apropriado. Eles não têm estômago para exigir com razão em seus critérios de entrada, para insistir que alguém deve ser interessante em vez de apenas aconchegante, desafiador em vez de apenas atraente, indefensivo em vez de meramente confiante. Eles não têm força para resistir – como é preciso – pelo 20º ou 200º candidato. As únicas almas com alguma chance real de terminar com o parceiro que merecem são aquelas que se reconciliaram adequadamente com a perspectiva de nunca estar com ninguém.
– Estar com a pessoa não exatamente certa soa quase suportável, mas prolongado ao longo do tempo, como uma proverbial pedrinha em um sapato, 'ligeiramente errado' acaba sendo indistinguível de 'totalmente horrível'. Nenhuma dúvida incômoda que alguém já teve em um dia de casamento deixará, com o acréscimo de vários anos, em se tornar motivo de desespero avassalador. Cada belo local para onde viajarmos juntos será arruinado, cada momento promissor será pisoteado, cada sucesso será comprometido. O que pode começar como uma leve agitação ou tédio acaba como irritação cataclísmica, auto-aversão, miséria sexual, finanças quebradas e o tipo de solidão excruciante que – ironicamente – meramente e inocentemente estar “por conta própria” nunca teria o poder de gerar.
– Além disso, quando aterrorizados com a solidão, não temos forças para defender nossas necessidades em qualquer relacionamento. Fica-se sempre à mercê de quem menos teme a solidão. Os parceiros desenvolvem um senso avançado da pessoa que não tem para onde ir. Não adianta bater os pés depois de uma discussão e dizer 'já chega' quando, na verdade, todos sabem que nunca teremos o suficiente – tanto medo temos de jantar sozinhos.
– O que é pior, depois de um tempo na empresa errada, tendemos a desenvolver um desamparo aprendido: cada relutância que tivemos em ficar sozinhos piora, mesmo quando adquirimos mais experiência do que realmente significa má companhia. Em nosso cativeiro confortável, mas mortífero, o selvagem parece ainda mais aterrorizante: agora não podemos imaginar como trocar o fluido da máquina de lavar sozinhos, entrar em uma festa sozinhos ou tomar a iniciativa de enviar presentes de aniversário aos nossos sobrinhos, tão acostumados passamos a usar o outro para compensar nossas fraquezas. Não experimentamos nenhuma das pressões estimulantes, mas também educativas impostas aos solteiros, que não têm escolha a não ser superar suas inibições: essas almas corajosas que, lutando contra seus temperamentos e histórias, precisam aprender a cultivar, lidar com o conselho, ir de férias nas montanhas,
– Para aqueles que abriram mão de suas liberdades com muita leveza, certamente haverá lembretes constantes e ardentes do que eles renunciaram. Cada festa e cada caminhada por uma rua movimentada fornecerão evidências do que poderia ter sido, todos aqueles membros potencialmente fascinantes ou encantadores da humanidade que agora foram impedidos para sempre de conhecer - porque tinham um medo tão anormal de ter uma cama só para eles. por mais alguns anos.
– Não são apenas as outras pessoas que não vamos conhecer, também somos nós mesmos. A presença constante de companheiros nos impede de fazer amizade com nossas próprias mentes e explorar nossos sentimentos e ideias de uma maneira que apenas longos períodos de solidão permitem. Deixamos de desenvolver nossas identidades, crescemos mais como todos os outros. A conversa lá fora nos impede de seguir o diálogo fingido, mas vital, que de outra forma poderíamos ter com nós mesmos. Usamos outra pessoa para nos distrair sempre que qualquer assunto interno ligeiramente doloroso ou desafiador vem à tona. Acaba havendo tanta coisa que nunca sentiremos ou entenderemos sobre nós mesmos, tantas grandes questões sobre nossas carreiras e nosso propósito final que ignoraremos, porque sempre havia alguém à disposição para conversar sobre o que pedir em para o jantar.
– Pior de tudo, podemos nem estar ativamente infelizes depois de um tempo. Vamos nos acostumar com a mediocridade acolhedora. Não seremos curiosos ou inquietos. Não ousaremos – como o solteiro deve – ir até estranhos e arriscar nosso orgulho. Vamos parar de aprender. Vamos acreditar que respondemos às nossas necessidades completamente, mas apenas com base em suprimir nosso conhecimento do que realmente são nossas necessidades. Teremos acabado em uma conspiração contra a incerteza, a novidade e o fluxo da vida.
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Para começar a corrigir tudo o que decorre desse medo pernicioso de ficar sozinho, devemos aprender desde cedo que estar sozinho nunca significa que há algo de errado conosco, apenas que estamos sendo adequadamente pacientes, até que apareça o que realmente nos satisfaz. (se acontecer); temos uma escolha; não fomos punidos. Além disso, estar sozinho não significa estar separado da humanidade; o estado pode de fato ser a maneira mais segura de comungar profundamente com ele, de encher nossas mentes com as ideias e visões de bilhões de outros humanos através do tempo e do espaço – cujas perspectivas são muitas vezes apagadas quando estamos sob pressão imediata para responder a outra pessoa na sala.
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